Síndrome de Jiban do povo brasileiro

Eu voltei a assistir uma das séries mais legais da minha infância esse ano, graças a um grande amigo que, como eu, é fã desses seriados live-action japoneses: Kidou Keiji Jiban ou, no Brasil, o Policial de Aço Jiban. Além da péssima dublagem e de algumas bizarrices que você não nota (ou não se importa) quando é criança, percebi algo muito curioso nas chamadas “Leis Biolon”, ou seja, as leis aplicadas pelo herói exclusivamente para os casos que envolvem criminosos da organização Biolon, os vilões da série. Seguem as cláusulas:
– Clausula n.º 1 da Lei Biolon: O Policial de Aço Jiban tem o direito de prender qualquer criminoso em qualquer circunstância, sem um mandato de prisão.
– Clausula n.º 2: O Policial de Aço Jiban, quando considera alguém como Biolon, pode submetê-lo a uma pena pelo seu próprio julgamento.
– Anexo a Clausula n.º 2: Conforme a circunstância é permitido até mesmo executá-lo.
Esse modus operandi do Policial de Aço Jiban é o sonho de muita gente no Brasil e o pesadelo de qualquer democracia. Por mais caricato que seja, a ideia de que um herói é aquele justiceiro à margem da lei, que pune severamente os criminosos que a justiça comum não puniria é muito perigosa e, claro, só funciona bem na ficção. Hollywood, desde sempre, promoveu esse estereótipo, bem como os quadrinhos e games. Mas muita gente gostaria de transportar essa premissa para realidade e, pior, muita gente ASSUME esse discurso quando tocamos em vários assuntos do nosso cotidiano.
Tenho visto uma imagem circular no facebook (sempre ele) desde que o ministro Ricardo Lewandovsky decidiu não punir no processo do ‘mensalão’ o deputado João Paulo do PT, Marcos Valério e seus asseclas. Ela diz que o povo brasileiro tem vergonha do ministro, pois ele não puniu dois criminosos que roubaram o dinheiro do povo. Isso porque, apesar desse ser o ‘maior julgamento da história do país’, é o único julgamento onde todos já entraram culpados mesmo sem serem réus confessos.
Essa imagem prova que o brasileiro tem síndrome de Jiban.
Uma ala da população espera, dos ministros do STF, apenas uma sentença: a punição dos “acusados”pelo mensalão. É aquela ala que acha que sabe tudo de política e criminalidade, mas que nessas horas só repete o discurso de papagaio de que todo político é ladrão, de que todos querem roubar e nem sabe explicar o que é o mensalão. Me chama muito a atenção que as pessoas critiquem o voto do Lewandowski e não saibam explicar pelo que João Paulo Cunha e Marcos Valério estão sendo acusados. Se você perguntar pra maioria das pessoas, elas provavelmente vão dizer apenas que os acusados roubaram dinheiro do povo. E não sabem mais nada sobre nenhum dos acusados ou das acusações… só que todos devem ser punidos.
Responda-me: o que é peculato? Qual a pena para esses crimes? Quem são os acusados e qual é o papel de cada um no esquema? Porque o Gushiken foi absolvido?

É como se um mendigo fosse acusado de assassinato, mas ninguém tivesse visto o crime, não soubesse quem morreu e nem como a coisa procedeu. Mas  o assassino, pelo espaço que ocupa, pela marginalização, é culpado de antemão. Não queremos julgar, só punir e executar.

Nem precisa ir muito longe: quantos casos vemos por aí todo dia onde uma turba de pessoas ameaça linchar um pobre coitado que é preso por ser acusado de cometer algum crime hediondo, e vemos que a polícia tem que montar uma operação para impedir a fúria medieval das pessoas? Muitas vezes, nem dá tempo de impedir a fúria dos “Jibans”.

Mas isso não acontece apenas de um lado. Eu sou leitor assumido da Carta Capital pois, em geral, ela tem uma posição muito mais próxima à minha que outros semanários podres, como Veja e Época. Uma posição evidentemente mais à esquerda, obviamente.

Mas, em sua sanha de atacar a mídia inimiga e defender seus “compadres” petistas, a Carta às vezes exagera. Como quando o colunista Leandro Fortes colocou em questionamento a atuação do STF por conta do voto do relator do processo, o ministro Joaquim Barbosa, apenas porque ele votou pela cassação dos acusados. A Carta partiu do pressuposto de que o mensalão é uma mentira, o que é a mesma coisa que se faz do outro lado, e defende com unhas e dentes a tese de que esse julgamento é armado para derrubar PT e seus comparsas e livrar a cara de outros acusados. Mas a própria Carta já viu o ministro como exemplo, quando este pôs o dedo na cara de Gilmar Mendes, que está longe de ser flor que se cheire.

Eu vejo – e acho que é evidente para qualquer um de bom senso – que a grande mídia tem abusado do sensacionalismo ao lidar com o esquema supostamente criminoso, ou “o julgamento do século”, mas também acho difícil não ter ocorrido crime nenhum.

Como foi precipitado julgar o juiz Barbosa, o mesmo acontece com o Lewandowski. Assim como tudo nesse “julgamento”, já se quer condenados os culpados antes da culpa ser atribuída… Agora, a minha pergunta é: e os OUTROS culpados? Os de sempre? É só ver essa matéria da Carta Maior, na qual vemos os beneficiários de boa parte do dinheiro público roubado no esquema:
“Segundo relação apresentada pelo ministro, a TV Globo foi a campeã em recebimento de verbas públicas para publicidade (R$ 2,7 milhões), seguida pelo SBT (R$ 708 mil) e pela Record (R$ 418 mil). Entre os impressos, o Grupo Abril, que edita a revista Veja, foi quem mais lucrou (R$ 326 mil), seguido pelo Grupo Estado (R$ 247 mil) e pelo Grupo Folha (R$ 247 mil). A fundação Vitor Civita, do Grupo Abril, recebeu outros R$ 66 mil.”

Lewandowski, justamente, foi quem levantou essa bola: “Se essa corte entender que o percentual de subcontratação foi de 99,9%, terá que pedir ressarcimento dos R$ 7 milhões recebidos de boa fé pelos veículos de comunicação do país”, disse. Mas, com certeza, você não verá nenhum desses dados em montagens do facebook. Porque a mentalidade das pessoas é rasa como um pires, e só se importa em botar na cadeia o político ladrão.

Como bem disse um amigo meu no facebook, sobre o caso Lewandowski: “O revisor absolveu o réu de em acusações que foram rejeitadas por 3 ministros do STF quando da sua apresentação. Ele as havia acolhido na oportunidade, e mudou de ideia analisando as provas. Bom exemplo da justiça sendo feita. E a transmissão disso tudo ao vivo, é bom exemplo da nossa democracia.”
Sim, é só ligar na TV justiça… passa lá, todo dia.
Seria muita ingenuidade crer na tese de que nenhum dos acusados é culpado, como é mau caratismo afirmar que qualquer um é bandido desde que se torna um político. E, principalmente, um julgamento não serve para condenar ninguém apenas, ele serve para esclarecer o ocorrido, punir só quem é culpado e absolver quem não tem culpa.
Mas não. O pessoal prefere ir ao perfil do ministro Lewandowski no facebook e ofendê-lo. Porque é assim que se faz justiça, né?
Quer ser uma pessoa REALMENTE consciente do que tá acontecendo? Leia todos os jornais e revistas à sua disposição, dos dois lados. Confira a transmissão ao vivo do julgamento na TV Justiça. Seja menos alienado e vamos conseguir começar a mudar as coisas. Porque, muitas vezes, não são os políticos os únicos culpados de tudo acabar em pizza.

PS: Já que falei em Jiban:

Complexo de Corno

http://blogdoenorerodrigues.blogspot.com.br/2012/06/mensalao-mensalinho.html

Hoje postei algo no facebook e, pensando um pouco, vi que podia estender minha observação.

Um texto do colunista da Carta Capital, Marcos Coimbra, me chamou a atenção hoje. Como é fácil julgar um livro pela capa, sempre nesses casos, parece necessário fazer um mea culpa e lembrar do apoio claro dessa revista ao governo do PT. Essa necessidade de “hipocritizar” a minha fala é exigida pelos que, em geral, ou não sabem diferenciar o joio de do trigo ou que praticam o esporte de relativizar tudo. Isso posto, agora sim posso expor a minha opinião “não-hipocritizada” da penumbra que se instaurou na política nacional quanto à corrupção.

Quando se ouvia falar em corrupção no Brasil, até 2003 mais ou menos, não tínhamos um sinônimo tão forte para esse ato quanto a palavra “mensalão”. O termo cunhado sobre uma ideia de que havia uma ação mensal de pagamento de propinas, uma “mensalidade”, é muito melhor explicado e estudado pelo autor que citei acima em seu texto.

Mas, há uma penumbra sobre o mensalão. Não sobre todo ele, mas sobre o que tange a esfera oposicionista dele. O sistema sobre a qual se moldou nossa política faz com que quem está na oposição sempre seja a promotoria da situação: quando era o PT a promotoria, eles fizeram essa penumbra, obviamente sobre suas ações. E, como agora a oposição é formada por PSDB e DEM, que eram a situação, eles fazem essa penumbra. 

O problema é que, na política atual, uma coisa desemboca na outra. O Suposto “mensalão do PT” nada mais é que uma consequência da aderência do Partido dos Trabalhadores ao modus operandi já instituído entre seus adversário na época que estes eram a situação. É o que torna nossa política podre e, em suma, é ocasionado por um método pragmático de conduzir as ações, fruto do próprio sistema capitalista, onde a ideia da mais valia se alia a que “os fins justificam os meios”, num maquiavelismo (desculpe Maquiavel) de mercado. Assim se justifica leiloar seu partido, ou aceitar participar do leilão de um, por influência – sim, estou falando da conjunção PT e PP, ou melhor, Lula e Maluf. Quando as ações se pasteurizam em função de resultados objetivos a curto prazo, o imediatismo suplanta a ideologia e o pragmatismo vence.

http://naoabandoneseumelhoramigo.blogspot.com.br/2012/06/bandido-sempre-apoia-bandido.html
Por aderir a esse modelo, criou-se um efeito de “rejeição” muito maior em relação ao PT que aos seus opositores, pois o PT era a mistura perfeita de um investimento ideológico e uma conquista política. Os anos de espera da população por um governo que significasse a real vitória da democracia foram longos, e os governos pós ditadura só fizeram os problemas derivados desta se intensificarem, como a inflação. Ainda, se fez democracia, para muitos, a partir do momento que o PT subiu ao poder, pois foi a primeira real alternância desde a malfadada eleição do Tancredo. A partir daí, todas as eleições foram uma sequência de insucessos: Collor deposto por corrupção; Fernando Henrique cria o Real, se reelege, mas a economia não se sustenta; Lula vem… e temos corrupção. Para o cidadão que votou em Tancredo, Collor e em Fernando Henrique, o voto em Lula era a última esperança… Não falo aqui de quem votou sempre no Lula, porque é diferente. Mas o caso é que, a queda mesmo que de apenas uma parcela do PT e a subsequente “vista grossa” de Lula com o caso gerou um sentimento: traição. E não há sentimento que gere mais rancor que o sentimento da traição, em qualquer relacionamento. Muito do que vemos de ataques ao PT, de ódio mesmo, é fruto de uma sensação de traição. De um lado, aqueles que sempre apostaram no partido e, quando este chegou no poder, viram o mesmo agir como seus adversários; do outro, aqueles que nunca apostaram mas, ao decidirem dar o seu voto de confiança para o Lula uma vez e se verem traídos, reforçaram preconceitos e criaram novos.

O problema não está, em si, no PT ser ou não corrupto. A política nacional, aliás, passa muito mais tempo discutindo corrupção que ação. Como bem argumentou o Vladimir Safatle (sempre ele), num excelente artigo para a mesma revista:


Há várias maneiras de despolitizar uma sociedade. A principal delas é impedir a circulação de informações e perspectivas distintas a respeito do modelo de funcionamento da vida social. Há, no entanto, uma forma mais insidiosa. Ela consiste em construir uma espécie de causa genérica capaz de responder por todos os males da sociedade. Qualquer problema que aparecer será sempre remetido à mesma causa, a ser repetida infinitamente como um mantra.
Isto é o que ocorre com o problema da corrupção no Brasil. Todos os males da vida nacional, da educação ao modelo de intervenção estatal, da saúde à escolha sobre a matriz energética, são creditados à corrupção. Dessa forma, não há mais debate político possível, pois o combate à corrupção é a senha para resolver tudo. Em consequência, a política brasileira ficou pobre.


http://blog.bytequeeugosto.com.br/como-funciona-um-militante-brasileiro/
Uma demonstração de como esse “complexo de corno” quanto ao PT fez mal à nossa política é notarmos não apenas o crescimento no nosso país do coro demagógico e desinformado dos inconformados contra a corrupção mas também o dos apolíticos.
Um exemplo pessoal: na minha universidade, a cada ano, vejo crescer o número de pessoas que são contra movimentos, de qualquer tipo. Não, não contra movimentos de esquerda, mas contra o ato de se mobilizar. A ideia, sem qualquer nexo com a realidade, é que a mobilização tira o estudante de seu foco real de ação, que é estudar. Apesar de eu saber que o movimento estudantil, por diversos equívocos e politicagens, comete diversos erros de logística (pontuais, a meu ver, mas sérios e que criam uma imagem errada do movimento), na prática, o problema desses estudantes reside no fado de que eles encaram o curso de uma universidade como quatro anos de estudo – e festa, porque sem festa não se vive – em prol de ganhar uma profissão no fim dele (materializada no diplominha) e poder ganhar dinheiro com essa profissão para manter-se na mesma boa vida de quando são sustentados pelos pais. Não me venha dizer que a vida é só isso, ainda mais a universitária. Quem pensa assim age com o mesmo tipo de pragmatismo que critica na aliança PT+PP…
Há um conforto em ser alienado, em conformar-se com a situação e ver-se num mundo “obrigatoriamente corrupto” e, de tal modo, sem solução. Aquela ideia de tentar viver bem “apesar de”. Eu, apesar de muito me decepcionar e de ser pessimista e realista com diversas coisas, não consigo me entregar a esse tipo de conformismo. 
Esse pessimismo (à lá Pondé), pra mim, é uma arma muito útil na mão de quem sabe manipular o pensamento… toda alienação é.
É como um homem que acha estar sendo sempre traído pela mulher e por isso a trata mal, mas faz vista grossa pras traições dos amigos e, muitas vezes, ele também trai. O cara sempre vem com o discurso de que “ah, as coisas são diferentes.” Daí, quando descobre a traição da mulher ele não associa o próprio comportamento como motor da traição, mas apenas condena o ato e a esposa. E vai sair por aí dizendo (e achando) que trair é da natureza feminina. Não é apenas hipocrisia e preconceito… é auto-alienação passiva e burra.E aí caímos no terreno do joguete político: não apenas a atual oposição usa esses sentimentos da população de arma, como de escudo para as suas próprias falcatruas de agora e do passado. Se o PT tem que ser punido pelo envolvimento com o mensalão, por que quem já fez (e faz) parte desse esquema não deve ser punido?
Porque só o mensalão do PT é traição, o dos outros é “modus operandi”.

Usando um jargão imbecilizante, típico de quem não pensa: Freud explica.