Bolsa Fascista

Há alguns dias, o deputado federal pelo RJ Jean Wyllys, do PSoL fez uma polêmica defesa do programa “Sexo e as Nega”, de autoria de Miguel Falabela e veiculado pela Rede Globo de televisão. A defesa soou polêmica não apenas pela natureza do programa em si, considerado preconceituoso por muitas pessoas – especialmente as ligadas às causas da comunidade afro-brasileira e aos movimentos feministas -, mas pelo fato que Jean é tido como um dos raros casos de deputados defensores de grupos oprimidos no Congresso Nacional. Jean não apenas milita em prol da causa LGBT, mas em defesa de mulheres, prostitutas, índios e negros. Jean Wyllys foi duramente criticado e, em certa medida, aceitou as críticas mesmo não voltando atrás em sua posição.

Há alguns dias, um professor e blogueiro famoso no facebook foi acusado publicamente e escrachado por movimentos feministas e simpatizantes após a revelação de um caso de, digamos o mínimo, abuso de poder. A postura soou polêmica por se tratar de um homem assumidamente “de esquerda” e que se manifestava em apoio a causas de mulheres, índios e negros. Descobriu-se que o professor tinha um interesse mórbido em humilhar mulheres casadas – não apenas em seduzir e levá-las a traição, mas em submetê-las a um jogo de humilhações que chegaram até a ameaças pelos maridos contra a vida dessas mulheres. E ele, segundo as acusações, sentia prazer nisso. E, para a surpresa de muitas pessoas, ele foi apoiado por outras figuras eminentes da esquerda, o que gerou uma imensa revolta, especialmente nas redes sociais. Alguns apoiadores até voltaram atrás e se retrataram, mas o professor não. E quanto mais se mexeu no vespeiro, mais coisas foram surgindo.
Ontem, o deputado federal pelo RJ Jair Bolsonaro, do PP, fez um ataque direto (o segundo) à colega Maria do Rosário, do PT, que gerou polêmica.

Cito o DCM:
Em seu discurso, Maria do Rosário, que foi ministra da Secretaria de Direitos Humanos, chamou a ditadura militar no Brasil (1964-1985) de “vergonha absoluta”.
Bolsonaro, que é militar da reserva, foi à tribuna em seguida. No momento da fala do deputado, Maria do Rosário deixou o plenário.
                                                                  
“Fica aí, Maria do Rosário, fica. Há poucos dias, tu me chamou de estuprador, no Salão Verde, e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece. Fica aqui pra ouvir”, afirmou Bolsonaro. 


O ataque à deputada gerou uma revolta gigantesca contra o deputado, já famoso por suas posições polêmicas – quer dizer, não deve ser algo tão polêmico para os seus mais de 900.000 seguidores, ou para a parcela da sociedade que lhe garantiu a reeleição com 464 mil votos. Ciente disso, Bolsonaro faz de sua imagem de vilão da esquerda marketing, com publicações como a seguinte:

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É estranho, para os preocupados minimamente com direitos humanos, mas esse é justamente o tipo de postura que com certeza garantiu sua reeleição. Bolsonaro é uma figura que faz de uma caricatura seu ganha-pão. É difícil ter consciência se ele realmente acredita no que diz ou se ele é crápula o suficiente para fingir um personagem, mas o fato é que ele representa uma parcela ainda muito significativa da população.
Mas por que eu comecei falando do caso do Jean Wyllys e do professor? Porque, mesmo que os três casos sejam condutas altamente reprováveis – e, no caso do professor, passíveis de investigação, além de repúdio -, apenas Bolsonaro foi eleito para um cargo público justamente por agir assim. Se Jean e o professor geraram atritos entre seus seguidores, Bolsonaro é aplaudido a cada absurdo que diz, como se fosse um herói nacional, o último dentro do congresso. Ao afirmar com todas as letras que não estupraria a deputada porque não merece, Bolsonaro virou alvo de pedidos de cassação por quebra de decoro – apenas porque no Brasil é impossível mandá-lo do Congresso direto pra cadeia. E a mesma afirmação, para seus admiradores, foi apenas mais um dos momentos de glória de um homem em defesa de um país melhor.
Mas o problema maior, pra mim, não é as pessoas que o seguem porque se identificam com ele. O problema é que ele e outros de sua laia fomentaram um crescimento vertiginoso desse pensamento. Tenho certeza que muitos dos que me leem sabem dizer vários amigos, parentes e pessoas de seu convívio social que, por conta das posturas de gente como ele, perderam “o medo” de falar e agora vociferam contra o comunismo, contra o gayzismo e coisas do tipo. Tenho certeza que as reuniões familiares tem ficado mais tensas, que as conversas tem se tornado mais difíceis, que o facebook tem sido palco do fim de amizades entre pessoas que se conhecem há anos. Se a proliferação das redes sociais aumentou nossas conectividade com pessoas distantes, acabou com a empatia entre as pessoas.
Um exemplo: uma amiga querida que como eu votou na Luciana Genro no primeiro turno das eleições presidenciais decidiu, no segundo turno, apoiar a reeleição da presidenta Dilma Roussef. Após a confirmação da reeleição, ela recebeu a seguinte mensagem pelo WhatsApp (optei, por questões de segurança e ética pessoal, apagar as identidades de algumas pessoas das imagens e não mencionar seus nomes):

Sim, era de um amigo que ela mantinha mesmo sabendo das posturas extremamente conservadoras que ele assumia. Ela mantinha a amizade porque separava as coisas, buscava prezar pela amizade de anos. Ela investia na empatia, no laço que não está – ou não deveria estar – submetido a posturas ideológicas, o laço que faz você continuar visitando a casa de seu avô defensor da ditadura, que faz você evitar contrariar o tio machista para não estragar o jantar, que faz a gente que pensa diferente engolir muito sapo.
A empatia está acabando, e junto com ela muitas relações sociais. Muitas pessoas acreditavam que a popularização da internet ia nos afastar e nos isolar no mundo virtual, mas o que aconteceu foi que a proximidade que a internet ocasionou evidenciou todos os problemas que, pessoalmente, se ocultavam à sombra de nossa altruística resignação. Hoje pessoas defendem a liberdade de um legislador dizer que seriam capazes de estuprar alguém como se defendessem o próprio terreno comprado com o suor de seu trabalho. E o que se varria para debaixo do tapete virou bandeira identitária.
E quem é responsável por isso? Gente como Bolsonaro, como Rodrigo Constantino, como Reinaldo Azevedo, como Ronaldo Caiado, como Danilo Gentilli, como Rachel Sheherazade, como Luiz Felipe Pondé… e como o pai de todos, o eminente astrólogo Olavo de Carvalho. A revoltada pessoa da imagem anterior era seguidor do Olavo, e vivia defendendo tudo que ele dizia. Conheci outros que faziam o mesmo, mas uma em especial me chamava a atenção: um cara que surgiu num grupo da minha universidade (mesmo não sendo membro dela) e todo dia postava textos em defesa do Liberalismo econômico, trechos de Mises e Olavo de Carvalho, etc. Ele era sempre rechaçado – pra não dizer ridicularizado – por diversos membros da comunidade acadêmica e sempre respondia com grosseria e arrogância, dizendo que ninguém podia refutá-lo. Na sua última postagem no grupo, eu e um amigo começamos a tirar sarro da cara dele, e ele veio com um caminhão de ataques. Lá pelas tantas, após uma ofensa direta do cidadão ao meu amigo, eu brinquei dizendo que o meu amigo era um lindo e que ele “o pegaria” (no sentido sexual da coisa) se ele quisesse. O que se seguiu?

E então, ele foi excluído da página.
Mas além de entrar num grupo de uma universidade da qual não faz parte apenas para provocar as pessoas e de chegar a mandar-nos “dar meia hora de cu”, o rapaz em questão – que foi candidato a deputado nas últimas eleições – nos brindou com um vídeo de apoio de quem? Jair Bolsonaro! Sim, ele foi candidato com apoio de Bolsonaro e posou ao lado dele e do filho, o cidadão que apareceu na manifestação “anti-Dilma” com uma arma de fogo na cintura.
Quando vi a imagem do Bolsonaro Jr. eu fiz uma reflexão no facebook que queria compartilhar aqui também, pois a foto me chamou a atenção para algo que eu sempre noto nesses machões com armas na cintura: o ato de enfiá-la na calça junto ao pênis. O jagunço que defende a propriedade do patrão e o traficante da favela fazem o mesmo gesto, podem notar. De boa, não é piada, eu acho que há aí uma relação direta, ao menos no nível simbólico do gesto, no qual a arma surge como uma continuação do órgão sexual, como se dissesse que ambas, arma e pênis, garantem a virilidade do cidadão. E ambas, arma e pênis, são instrumentos que atiram, que disparam contra alguém a sua essência (delimitando com esse instrumento o limiar vida/morte). Enfim, nessa equação, fica evidente para mim que armar-se, para uma pessoa como ele, significa uma imposição de sua virilidade – e uma compensação, eu suponho. E, claro, podemos pensar que ele vai usar sua virilidade, seu pênis, como arma de domínio do outro, subjugando todos aqueles que se desviam de sua representação de macho, sejam mulheres ou homossexuais. Se um homem que empunha uma arma tem poder, um homem que vê sua arma como parte de seu pênis – ou vice-e-versa – vai pensar a vida falocentricamente, e com isso julgar a tudo e a todos por esse viés. Daí não surpreende as bobagens que sua família (da qual ouvimos apenas os homens) sustentam como ideologia. E daí não surpreenda que o pai desse ser tenha usado como “arma” contra a deputada da oposição justamente o estupro.

E, antes que percamos o foco, é importante lembrar porque a deputada gerou a fúria do “estuprador”: ela estava criticando a ditadura militar. Ou seja, além de dizer que ela não merecia ser estuprada, ele falou tamanho impropério em defesa de um regime que matou, torturou e calou o país por décadas. Ele estava, com sua atitude, defendendo a “honra” de um grupo de pessoas que dava choque nos seios de mulheres e nos testículos de homens, que enfiava cobras na vagina de mulheres, que afogava pessoas e as pendurava num pau de madeira de ponta cabeça. Tudo porque essas pessoas se posicionavam contra o governo dos militares. Foi em favor disso que Jair Bolsonaro atacou Maria do Rosário.
Ontem surgiu uma petição em defesa de Bolsonaro, compartilhada por ninguém menos que… Olavo de Carvalho! A petição diz o seguinte:

Excelentíssimo Sr.Deputado Federal Jair Bolsonaro
Nós, abaixo assinados, manifestamos aqui nosso repúdio a todas as ofensas que lhe foram feitas na Sessão do Congresso Nacional do dia 9 de dezembro de 2014 e nos dizemos solidários na sua luta contra o comunismo no Brasil representado por gente como Maria do Rosário e Jandira Feghali assim como os partidos lacaios do Foro do São Paulo. “Estuprador” era o genocida chinês Mao Zedong, que inspirou a fundação dessa organização criminosa chamada PC do B..e quem usou o verbo “merecer” numa campanha contra o estupro foi o governo assassino que Maria do Rosário representa.
Estaremos Juntos,
Cidadãos Brasileiros contra o Comunismo.

Enquanto eu redigia o texto, 4.027 pessoas já haviam assinado essa petição. E, claro, ontem também surgiu uma petição online em repúdio à fala de Jair Bolsonaro, exigindo sua retirada do congresso (não vou me estender em comentários aqui do porque não acredito na eficácia de petições como essa – Renan Calheiros continua lá -, mas acho que essa vou assinar apenas pelo seu caráter simbólico). De qualquer modo, o senhor Olavo esses dias compartilhou um texto que me fez pensar no rumo que as coisas estão tomando:

O texto, mais uma vez, fez-me refletir sobre a questão da empatia. Isso porque, assim como Bolsonaro, pessoas como o Olavo estão interferindo não apenas nos rumos do pensamento político, mas das relações pessoais. Quantos não perderam a amizade de algumas pessoas por conta de assumirem seu posicionamento político? Ele é o ideólogo por trás de Lobão, Genitilli, Revoltados Online e vários outros. Eu, como socialista convicto, sou defensor de várias ideias e bandeiras que o comunismo levanta. Deveria eu ser alvo de intolerância e desrespeito por conta disso? Perderei a amizade e o carinho de pessoas por elas acharem que minhas ideias são canalhice? Seria eu expulso dos meios de convivência por ser assumidamente de esquerda?
Enfim, proponho a cada eleitor do Bolsonaro – se é que eles chegarão ao final desse texto – uma reflexão: se vocês, como seu ídolo, são contra o Bolsa Família porque ele “sustenta vagabundos”, porque são a favor de um deputado que votou a favor do aumento do próprio salário e que usa as mesmas regalias de todos os outros? Se vocês tiverem alguma coerência em seu pensamento, porque não exigem dele que doe seu salário, que não usufrua das regalias do congresso? Por que vocês que são contra “medidas bolivarianas” não o atacam por ele estar no congresso há 24 anos?
Jair Bolsonaro é um fascista. Eleger e defender Bolsonaro é como criar um novo tipo de auxílio, a Bolsa Fascista. E só o Brasil pra sustentar Fascistas com nossos impostos, viu?

A Frente de Direita – Parte 1: Direitopatia e Homossexualidade

Antes de tudo, um aviso importante: esse texto é diferente dos demais desse blog. Ele será longo, pela necessidade de explanar o assunto de maneira mais clara possível, e pela miríade de eventos e situações que nos conduzem às conclusões aventadas. A idéia, aqui, é expor todas as vertentes da idéia de Direitopatia, pois esse texto, antes de tudo, é um alerta. Um alerta contra uma concepção de mundo anacrônica, perigosa e em crescente expansão. Podem encarar isso como um manifesto, uma reflexão ou apenas um desabafo, mas o tom que eu busco é, o máximo possível, de um ensaio crítico.
Tentei evitar a postura mais abertamente sarcástica e mau humorada dos meus outros textos do blog, pois acho que não combina com a discussão de um assunto no nível que quero empregá-lo. A tese que lanço aqui não é nova, mas tento dar a minha visão – e, espero, contribuição – sobre o fenômeno do crescimento da direita no nosso país e no mundo. Para tanto, dividi o texto em partes. A primeira traz a introdução à minha concepção de Direitopatia (que como termo, aliás, já é popular na internet bem antes de mim) e a explicação desta mediante o exemplo da homofobia. A segunda, que espero colocar aqui em breve, trará a minha análise do fenômeno da fé aliada a repressão e ao modelo capitalista neoliberal. Advirto, porém, que não sou sou sociólogo, tampouco teórico político ou membro de qualquer entidade social; sou antes de tudo uma pessoa assustada com os rumos da sociedade atual.

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Esquerdopatia: termo cunhado, até onde sei, pelo colunista da Revista Veja Reinaldo Azevedo, para definir um comportamento social, para ele uma “patia“, que rege as ações de alinhados a uma esquerda cega e burra. Basicamente, é como se se interpretasse Marx à risca, se fechasse os olhos para os crimes cometidos por Mao, Stálin e outros em prol da bandeira do comunismo. O colunista já deixou por vezes claro que não apenas é contra a esquerda, mas que considera-a nefasta o suficiente para ser encarada como uma doença, que cresce epidemicamente entre algumas parcelas da população desde que Lula se tornou presidente. Um dos sinais claros desce crescimento seria o surgimento na internet de grupos de blogueiros, dentre eles alguns jornalistas famosos como Paulo Henrique Amorim, Luís Nassif e Luiz Carlos Azenha, que se intitulam blogueiros “progressistas”, defensores de uma idéia chamada PIG. O PIG é uma sigla para “Partido da Imprensa Golpista”, um conglomerado de forças de imprensa – formado por Globo, Abril e sua revista Veja, os Saad da Band, Folha de SP, etc. – cujo objetivo seria minar oposições contrárias à custo do exercício do seu poder de mídia de massa, pelo qual minariam seus inimigos.
Acho que uma idéia criada por um opositor da esquerda nunca foi tão adequada para definir a direita.
Destaquei, em negrito, trechos que unidos podem nos fazer entender a postura histórica da direita, e que podem configurar uma Direitopatia.
– Apenas estou usando a lógica da semiótica: para existir uma cadeira, deve existir uma não-cadeira que define a cadeira como tal.
Direitopatia: define um comportamento social, uma “patia“, que rege as ações de alinhados a uma direita cega e burra. Basicamente, é como se se interpretasse a Bíblia à risca, se fechasse os olhos para os crimes cometidos por Vaticano, EUA e outros em prol da bandeira do capitalismo.
Podemos encarar a nossa sociedade atual sob o olhar da direitopatia? Não apenas podemos, mas devemos ficar alertas ao crescimento de um comportamento hostil, arraigado em preceitos antiquíssimos, mas que se renovam através da popularização da idéia mais banal do mundo: a liberdade de expressão.
É um paradoxo interessante, que pode ser explicado por um exemplo simples: Sempre que se defendeu os direitos dos homossexuais, por exemplo, houve repressão baseada em uma concepção ético-religiosa: da antinaturalidade. Considerando a natureza biológica do binômio homem+mulher como necessário à vida, os detratores dos direitos dos homossexuais se posicionaram sempre contrários à concepção de que dois homens ou duas mulheres pudessem formar um casal. Oras, se o amor une homem e mulher para gerar um filho, não existe amor em uma relação que não gera frutos. Essa é a bandeira anti-homossexual desde sempre, mas como toda bandeira ela se fixa em um terreno não muito firme: o do preconceito. Assumir que, pela antinaturalidade, um homossexual é um comportamento errado, é assumir que a existência desse é também biologicamente errada, o que pode o conduzir a considerá-lo um ser que não merece fazer parte de uma sociedade natural. Isso leva à violência, inevitavelmente.
Mas, quando a sociedade começa aos poucos a inserir em seu regime capitalista básico noções pontuais do socialismo, as coisas começam a mudar. Eu nem preciso explicar como isso funciona, deixo Antônio Cândido falar:
O senhor é socialista?

Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo… tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia.

Por quê?

Virou capitalismo. A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder. O socialismo hoje está infiltrado em todo lugar.

Socialismo, para Cândido, é mais que um regime de oposição ao capitalismo: é uma característica intrínseca a uma sociedade que cresceu às voltas com uma revolução industrial, com uma mudança de paradigmas opressora. O socialismo, definido magistralmente como “todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado” não é hipótese, é fato. Faz parte da consciência humana, que considera um trabalhador senhor de si por ser humano, e como tal, digno de gozar de sua vida em detrimento do regime de trabalho opressor do patrão.
– E o que isso tem a ver com homossexualismo?
Quando o socialismo prevê que nós devemos nos adequar á igualdade, e encrusta no capitalismo essa noção, começa a surgir a concepção de que homossexuais são iguais, pois são humanos. A reação natural contra posturas anti-homossexualismo (que eu não vou chamar de homofobia ainda, pois nesse estágio inicial nada mais é do que uma reação de defesa da sociedade) é o surgimento do movimento baseado justamente no direito adquirido. A moeda de troca da sociedade, porém, só veio anos mais tarde, quando homossexuais ganharam espaço dentro do capitalismo. Na verdade, quando eles se tornaram mercado consumidor. Podemos facilmente situar isso nos anos 2000, e um reflexo natural para qualquer um entender são, por exemplo, a proliferação de gays nas novelas da rede Globo. Podemos sim pensar numa sociedade mais justa e inclusiva, mas antes disso, temos uma sociedade que descobriu um filão econômico forte mediante uma crise iminente e destruidora. O capitalismo se aproveitou disso, e inseriu o gay na sociedade. Ele, agora, é natural, pois seu amor interessa ao capitalismo, não porque a sociedade como um todo tornou-se mais compreensiva.
E como ficam os defensores do anti-homossexualismo? Num primeiro momento, acuados, fechados em seus próprios argumentos. Com a perda de poder dessa bandeira, eles precisavam arranjar outra, que se adequasse ao modelo do capitalismo atual – que a partir de agora vou chamar de sociocapitalismo, justamente pelo paradoxo imbricado nesse postulado. A bandeira achada é justamente a bandeira da esquerda liberal: a liberdade de expressão.
É crime contra a liberdade de expressão discriminar um discriminador. Logo, a título de defender os preceitos da antinaturalidade do homossexualismo – e reafirmar os preceitos da parcela da população que mais sofre com as diretrizes de governos sociocapitalistas, que é a classe média cristã – inventou-se a idéia de que defender-se do homossexualismo é defender a sua liberdade de expressão, que nada mais é que uma nova maneira de enxergar a mesma antiga defesa à família natural. E mais: reverte-se o paradigma da impossibilidade da existência do antinatural levar à violência. Agora violência é não permitir que o homem tenha direito a impedir a penetração do conceito homossexual no microcosmo de sua comunidade. É violência contra a sua liberdade.
É bom atentar que, levando em conta essa colocação, ações como a do deputado Jair Bolsonaro ainda são meramente circenses. Jair Bolsonaro não é detentor de um discurso antinaturalista atual, adequado ao sociocapitalismo. Ele é da escola do recalque original, que investe como um leão contra qualquer ação que perscrute ao mínimo a esquerda. Ele é da mais próximo da posição de Júlio Severo, que de Reinaldo Azevedo. Apesar de nutrir ambos – e é aí que mora o perigo.
Posicionamentos como 0 de Bolsonaro não são diretamente responsáveis por atos de violência e repressão, mas nutrem os argumentos direitopatas. É como se uma pequena semente fosse plantada, e que germinasse lentamente, enquanto os jardineiros se preocupam em podar as arvores velhas e já corroídas pelo tempo. Bolsonaro é quem é desde muito tempo atrás, mas só o descobriram agora.
A Direitopatia surge quando esse discurso começa a fazer sentido.

– Oras, eu não sou homofóbico, mas não quero que meu filho seja gay. Se o kit anti-homofobia fizer meu filho se tornar gay, eu fico do lado do Bolsonaro. Mas não totalmente.
É o Vanderley da sauna gay, um dos últimos personagens bons do Casseta & Planeta. Ele frequenta a sauna, mas não é gay. O pai de família da classe média é contra o kit anti-homofobia, mas não é homofóbico, pois não quer ser comparado ao Bolsonaro. Ademais da comicidade da comparação, é dessa sementinha que surge isso:
Quem lançou esse projeto?

Carlos Apolinário, que se diz o “Vereador das Mãos Limpas”, mas logo abaixo desse logo, em letras miúdas, deixa visível o lema “Fé e Trabalho”. O que evidencia a segunda diretriz do comportamento direitopata: a defesa da Fé.

Aguardem a parte 2: Games, Heavy Metal, Noruega e o poder da Fé. Abraços.